Judô Piauí: saiba como foi construída essa história

sábado, 14 de novembro de 2009

O judô piauiense brilha, conquista o mundo. O estado se alegra e se orgulha. E todos gritam um nome: Sarah. Bicampeã mundial júnior, conquista de todo o Brasil. Com apenas 19 anos, ela já construiu sua reputação de atleta de sucesso a nível internacional. A Confederação Brasileira de Judô (CBJ) indicou a piauiense para o Prêmio Brasil Olímpico, junto com Luciano Correia e Leandro Guilheiro. Sim, uma menina de 19 anos - e piauiense, não esqueçam - está lá entre os grandes, concorrendo ao título de melhor atleta do Brasil na modalidade. O resultado sai dia 21 de dezembro, quando o Comitê Olímpico Brasileiro homenageará os melhores esportistas de 2009. 

Durante este final de semana, Sarah compete no Grand Prix Feminino de Judô, em Brasília. As eliminatórias aconteceram na manhã deste sábado (14). A piauiense lutou três vezes, contra Rosanne Gomes, Taciana Lima e a conterrânea Regiane Silva. Venceu todos os combates por ippon, o golpe perfeito - o nocaute do judô. Mas a competição é por equipes, e o clube mineiro que ela está representando - o Betim - acabou ficando para trás por conta das derrotas e empates de outras integrantes da equipe. Ficam os nossos parabéns pelos resultados individuais. 


Sarah Menezes no Grand Prix Feminino de Judô, que acontece neste fim de semana.
(Foto: sítio da Confederação Brasileira de Judô.)

A vitórias de Sarah Menezes não são solitárias. Ela é o resultado dos esforços de todos que lutaram pelo judô no Piauí, que acreditaram nele enquanto atividade física e enquanto filosofia. O trabalho foi árduo, a empreitada difícil. Foram 37 anos de dedicação incessante para que ela subisse no degrau mais alto e mostrasse ao mundo que o Piauí pode sim ser berço de campeões.


Os ideogramas japoneses do vocábulo judô...

Em 28 de outubro de 1860 nascia o japonês Jigoro Kano. Nada familiar, certamente. Kano é o pai do judô, o homem que sistematizou técnicas diversificadas de luta corpo-a-corpo e construiu uma doutrina baseada na utilização eficiente da energia. Talvez pareça contraditório, mas os dotes físicos do lutador japonês eram pouco desenvolvidos. Jigoro Kano até tentou praticar esportes intensos, como ginástica, remo e basebol. O corpo franzino de um metro e meio de altura e 48 quilos, porém, não aguentava muito. Inconformado, idealizou uma modalidade de luta que permitisse o aproveitamento máximo das forças disponíveis – inclusive as do adversário. Assim nasceu o ju-do (do japonês: ju – suavidade; do – caminho, doutrina).


... que enfeitam o quarto de Seu Abdias Queiroz e Dona Elaine.

A “doutrina da suavidade” chegou ao Piauí quando o atleta cearence Abdias Queiroz mudou-se para cá, em outubro de 1972, a convite da Polícia Militar. Veio sozinho, para estudar as condições de moradia e saber se realmente era viável ministrar aulas de Defesa Pessoal aos PM’s. Decidiu-se por ficar. Em fevereiro de 73 vieram a esposa e os nove filhos: Cássio, Hélio, Robson, Tomás, Ubirajara, Dannys, Antônio Lima, Samuel e Abdias Filho. Os irmãos Queiroz são hoje reconhecidos pelo trabalho que desenvolveram - e desenvolvem - pelo judô.

Em 1973, Abdias Queiroz fundou, em sua própria residência, o Clube de Lutas Fortaleza , academia com o mesmo nome daquela em que treinava no Ceará. Foi no dia 1° de abril de 1975 que ela virou Judô Clube Piauiense. A nova academia ficava no cruzamento da rua David Caldas com a rua Santa Luzia. O público era constituído principalmente por crianças. Com um bom trabalho de divulgação, o judô começou a se disseminar, sobretudo nas escolas. Em 1975, o primogênito da família Queiroz, Cássio, já participava de competições estudantis. Começaram a ser realizados pequenos torneios.

Em 1981, dez anos após a sua chegada ao Piauí, o professor Abdias fundou a Federação Piauiense de Judô, e indicou o seu amigo carioca Paulo Kamuri para a presidência. A partir daí, o judô veio ganhando mais e mais reconhecimento por parte das instituições de ensino. Mas foi só em 83 que a Federação Piauiense foi reconhecida pela Confederação Brasileira de Judô e pelo Ministério da Educação.

O clã Queiroz reunido no dojô (local de treinamento) do Judô Clube Piauiense, a primeira academia de Teresina. Abdias Queiroz está na fila de pé, e é o terceiro da esquerda para a direita.

O que pouca gente sabe é que o Piauí já tinha bons resultados em competições de judô já há bastante tempo. O filho caçula de Abdias Queiroz, o professor Queiroz Filho, foi campeão brasileiro em 88, além de ter ganhado de um japonês num Torneio Internacional Brasil X Japão, no início da década de 90. Samuel Queiroz acumulou sete títulos em campeonatos Norte-Nordeste, em nome do Judô Piauí.

Toda essa história foi construída com muitos esforços. Abdias Queiroz lembra emocionado das barreiras que teve que enfrentar: o estranhamento do público e a escassez de recursos, dentre muitas outras.

A dedicação não foi gratuita, porém. Em 28 de abril de 2008, na comemoração do aniversário de 50 anos da Federação Paulista de Judô, Abdias Queiroz recebeu o título de melhor professor de judô do Nordeste. Hoje, declara: “Eu me sinto muito gratificado quando vejo esses meninos ganhando fora, tão novos. E olhem a Sarah! Uma mulher, e ainda de família humilde... Sim, fico muito feliz.”


Sarah Menezes destacou-se mundialmente, e o Piauí ainda tem muitas potências. Atletas jovens, motivados, que acreditam no futuro do judô. É o caso de Marília Ramos. Aos 17 anos, ela já é faixa preta e coleciona títulos nacionais e internacionais: em 2007, conseguiu a medalha de bronze no Campeonato Sulamericano; em 2008, a prata no mesmo campeonato, mais a primeira colocação na Copa Panamericana, ambos no Uruguai. Para ela, “o judô piauiense está em ascensão. Com as conquistas da Sarah, vai ficar mais fácil conseguir apoio. Os governantes já reconhecem, já prestigiam o trabalho. Antes, era tudo muito difícil. A gente sempre tinha que tirar dinheiro do próprio bolso para competir”.


Marília Ramos no Campeonato Sul-Americana de Judô em 2008. 
(Foto extraída do Orkut da titular, com permissão.)

O professor Hélio Maia Queiroz, o segundo dos filhos do sensei (mestre) Abdias, concorda. Para ele, Sarah abriu a porta por onde ainda vão passar muitas estrelas do judô piauiense.

Mas não são apenas os competidores que fazem do judô piauiense um exemplo. Fora do shiai-jô (área de competição), nossos técnicos garantem a boa fama do estado. Queiroz Filho e Dannys Queiroz já foram convocados pelo menos dez vezes para orientar seleções brasileiras. Dannys, a propósito, é árbitro de judô categoria FIJ A: pode arbitrar em qualquer campeonato de ponta, a exemplo das Olimpíadas. E mais um detalhe: é o mais jovem dos quinze árbitros brasileiros do grupo.

Os veteranos que acompanharam a história do judô no Piauí ficam felizes e acreditam que o que importa, neste momento, é melhorar e melhorar. É o que nos diz Fabieldo Torres, professor de judô e competidor - em 2008, Torres sagrou-se vice-campeão brasileiro sênior.

Os ingressantes também se empolgam, e tomam por exemplos os judocas piauienses que fizeram história. Yasmin Miranda é estudante de Ciências Sociais, e entrou nos tatamis há pouco mais de seis meses. Orgulha-se da faixa branca e fica feliz por fazer parte do Judô Piauí.

Todos os judocas concordam num ponto: o que mais encanta no judô é a sua filosofia, que prega a disciplina e a busca incessante pela perfeição. Afinal o que importa é "aprender a cada dia um pouco mais" e "usar o aprendizado todos os dias para o bem", como diria o o-sensei (grande mestre) Jigoro Kano.


Texto e fotos não-creditadas: Shaianna Araújo

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