Lévi-Strauss: Todos os Trópicos estão tristes

quarta-feira, 4 de novembro de 2009
Atualizado às 23h43 

Na madrugada do último sábado (31) para o domingo (1), morreu um dos maiores pensadores vivos, Claude Lévi-Strauss. Antropólogo, filósofo e influenciador de cadeias de raciocínio de mundo em diversas gerações consecutivas, o belga, que se dizia orgulhosamente professor, despediu-se por vez em seu apartamento em Paris, aos 100 anos.  Restando 28 dias para atravessar um século de vida.


Trilhando o pensamento


É difícil mensurar o que de mais importante aconteceu nos últimos 101 anos de história. A humanidade foi atravessada por duas grandes guerras e diversas epidemias. Viu sua face se transformar incontáveis vezes em suscetíveis revoluções culturais que resumem a contemporaneidade. Hoje assiste a tecnologia reinar absoluta no papel de tema protagonista nas movimentações do mundo. Globalização é, mais do que nunca, ordem. E tão natural, tão repetida, que a palavra chega a soar obsoleta.

Lévi-Strauss, ao tentar explicar o mundo, retirou da filosofia os alicerces para construção da sua antropologia.  Entre os corredores da Sorbonne e leituras pessoas que atravessavam o naturalismo filosófico de Rosseau, passando pela estrutura lingüista de Jakobson, e bebendo das relações familiares da psicanálise de Freud, Claude Lévi-Strauss resolveu voltar-se para o umbigo do homem. Inicialmente, para o seu. Em segundo passo, para o do próximo.

Se na história humana, visões errôneas do anacronismo nas comparações entre culturas e povos já colocaram convicções perigosas de desnivelamento e superioridade entre eles – dos massacres indígenas das grandes navegações ao caso ariano na Segunda Guerra – Lévi-Strauss procurou entre os mais diversos povos do mundo, exemplos e casos que confirmassem os distintos como, apenas, homens.

No Brasil dos Tristes Trópicos



Em 1935, aos 27 anos, o jovem Lévi-Strauss aceitou o convite para cadeira de sociologia da recém inaugurada Universidade de São Paulo (USP). A proximidade do Brasil traria as experiências cruciais para a formação de uma das maiores mentes do século XX. Mas longe da metrópole, afastado do campus: No Mato Grosso, mergulharia no mundo das tribos indígenas Cadiuéus, Bororos e Nambiquaras.




Estudando rituais religiosos, produção artesanal, mitos, métodos de socialização entre os índios e economia, Lévi-Strauss enfim achou o campo de aplicação para os seus conhecimentos. Em 1938 recusaria a renovação de contrato para a USP, e cairia durante um ano, em uma densa expedição no interior do Brasil.

No ano seguinte, voltaria à França. O respeito científico e intelectual do mundo refletia na qualidade do material colhido no Brasil. A etnografia – o contato do pesquisador antropólogo com seu objeto de estudo -, conheceria outro nível. Um superior, devido da representação da riqueza do mundo que Lévi-Strauss visitou através das fotografias. A mesma Fotografia que Lévi-Strauss mais tarde assumiria não ser grande apreciador: “A mais bela fotografia não existirá jamais diante de um belo quadro.”.

Mas só após uma Guerra, e mais de uma década, em 1955, o antropólogo iria lançar o seu maior trabalho, considerado por muitos críticos, o definitivo: Trópicos Tristes.  É antropologia, mas também é literatura. É relato científico, mas também é diário de viagem. Foi aplaudido pela crítica, estudado pelos acadêmicos e celebrado nas vendas.

De 1955 a 1982, sua produção é constante. Foi nesse período que destrinchou sua produção e lançou "Antropologia Estrutural", reconstruindo a antropologia sob o aperfeiçoamento técnicas estruturais que Jakobson usou na lingüística. Procurava o universalismo entre os homens que Montaigne falava no século XVI, o espírito do homem.

Achou sua versão.  E observou durante mais de 60 anos de atividade, seus tratados antropológicos influenciarem outras ciências, além das sociais. E assistiu também acréscimos e desqualificações frutos da evolução da ciência em tecnologia.

O Professor Doutor em Antropologia Robson Cruz, da Universidade Federal do Piauí, aponta incisivamente para a importância de Lévi-Strauss. E sobre como sua trajetória se confunde com o surgimento do pensar antropológico.



Últimos anos

A década que antecedeu a morte de Lévi-Strauss em quase nada lembra o homem que atravessou e falou sobre o mundo. Na primeira metade dos anos 1990, resgatou da experiência do Brasil as memórias fotografias (uma vez mais), em “Saudades do Brasil” e “Saudades de São Paulo”.

De 1996 até 2009, silencia suas publicações, produções e quase absolutamente, suas aparições em público.  Morreu recluso, mas não esquecido. Mais do que nos livros, ou nas fotos que o cansavam imensamente, permanece vivo. No pensamento do homem contemporâneo. Como almejou, universal.

“Meu único desejo é um pouco mais de respeito para o mundo, que começou sem o ser humano e vai terminar sem ele.” - Claude Lévi-Strauss (1908 – 2009).



Texto e Video: Igor Prado
(igorprado1@hotmail.com)

Edição de Video: Juscelino Ribeiro Jr.

Fotos: Unesco (Reprodução)

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