"Eu entrei numa selva e tive que sobreviver."

domingo, 18 de outubro de 2009
Grande Otelo, famoso comediante brasileiro, fez essa declaração. Ele estaria completando 94 anos neste domingo, carregando consigo uma vida marcada pela dor, pelo riso, e, sobretudo, pela arte.

A vida não vale nada
Pra que me aborrecer?
Sou feliz vivendo assim
Há de passar cem anos
Até que se esqueçam de mim
(A vida não vale nada - Composição de Grande Otelo.)


Não passaram os cem anos, o Brasil não esqueceu. Grande Otelo, talvez, tenha deixado a sua marca para o resto dos séculos, amém.


Sebastião Bernardes de Souza Prata, conhecido por estas bandas como “Grande Otelo”, foi batizado em 18 de outubro de 1915. Nunca soube em que dia exato veio a este mundo, e por isso fez da data do sacramento o seu aniversário. O ator, cantor, compositor e poeta é hoje um mito da arte brasileira. Sua vida, pontuada pelos mais infelizes atropelos, encerrou-se em 26 de novembro de 1993. O ataque cardíaco foi fulminante, mas deixou sobreviver para a história um legado amplo e diversificado, materializado em 45 letras de música, 113 filmes – entre eles o premiado Macunaíma – e 21 programas de TV.

Nasceu em Uberlândia (MG), então São Pedro do Uberabinha, de mãe doméstica e pai empregado de fazenda.

Infância pobre, quiçá triste: o pai morreu esfaqueado, a mãe entregava-se ao vício do álcool. Aos oito anos, fugiu com uma companhia de teatro e foi aventurar-se em São Paulo. Passou pelo Juizado de Menores e foi entregue à adoção. A família do político Antônio de Queiroz prontificou-se a cuidar do menino.


Veja como ele toca o trombone
Parece até um violino
Numa noite de luar
Fala trombone
Chora que eu quero desabafar
(Chora Trombone - Composição de Grande Otelo e Ari Cordovil)


Participou da Companhia Negra de Revista e da Companhia de Teatro Jardel Jércolis. Estreou no cinema em 1935, com Noites Cariocas, e na música em 1940, com Vou para orgia, composta em parceria com Constantino Silva. Ficou conhecido pelas comédias e pelo amor ao samba. Em 1949, tragédia: sua primeira esposa envenena o próprio filho – enteado do ator – e comete suicídio.


A minha vida
Que era cheia de alegria
Ficou vazia
Na manhã daquele dia
Em que você
Sem esperar o café
Foi-se embora e bateu a porta
Só pra acordar o bebê
(Vida Vazia - Composição de Grande Otelo e Herivelto Martins)


Grande Otelo continuou a investir no cinema: em 1969, recebeu o Troféu Candango no Festival de Brasília, na categoria melhor ator, pela participação em Macunaíma. Ainda na década de 60, foi contratado pela Rede Globo. Seu trabalho de maior visibilidade foi a atuação na Escolinha do Professor Raimundo – apesar de não ter sido o mais significativo.


Mas o meu rancho tradicional
Um dia se acabou
O meu coração tão triste ficou
Na hora em que o último rancho
Cantando passou
Senti que o meu pranto rolou
Chorei quando o rancho acabou
Passou, passou, passou, passou.
(O Último Rancho - Composição de Grande Otelo e Maria Dolabella)


Em 1993, gravou a novela Renascer, da mesma emissora. Deixou fluir seu talento para a poesia no livro Bom dia, manhã, lançado pouco antes de sua viagem para Paris e para a morte.

Grande Othelo declarou em 1986, na ocasião em que foi premiado pelo Instituto de Artes Cênicas, que não gostava de homenagens. Pedimos desculpas por ignorar a advertência: aqui está a nossa.



E é baixinho, o canto que tenho pra cantar
Que é pra ninguém escutar
O canto que eu quero cantar

Vou carregando com ele
Solitário nesta vida inteira
Levando sem saber pra onde
Meu velho mundo sem porteira.
(Desejo - Do livro Bom dia, manhã.)



 
O historiador, crítico musicial e jornalista Sérgio Cabral publicou, em 2007, o livro Grande Otelo - Uma biografia, da Editora 34.


Texto: Shaianna Araújo

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